"Mvsa mihi cavsas memora"

terça-feira, 28 de junho de 2011

Ao Marido de Lésbia

Se Lésbia me difama em frente do marido,
eis logo o imbecil no auge da alegria!
Pois não entendes, burro? O silêncio, o olvido
seriam bem melhor... E se ela me injuria
é não só por se recordar ainda
mas porque no seu peito a chama não se extingue!
(Catulo)

Eu Sou a Outra

Ele é casado e eu sou a outra,
Na vida dele,
Que vive qual uma brasa,
Por lhe faltar
Tudo em casa.

Ele é casado e eu sou a outra,
Que o mundo difama,
Que a vida, ingrata, maltrata,
E, sem dó, cobre de lama.

Quem me condena, como se condena
Uma mulher perdida,
Só me vêem na vida dele,
Mas não o vêem, na minha vida.

Não tenho lar, trago o coração ferido,
Mas tenho muito mais classe,
Do que quem não soube prender o marido.

(Composição de Ricardo Galeno interpretado por Maria Bethânia)

No poema de Catulo, revela-se um recalque do eu lírico, que passando por uma crise sentimental e sentindo-se injuriado por Lésbia estar com outro, afirma, contudo, que ela ainda o ama. Em paralelo a essa temática, no trecho:

eis logo o imbecil no auge da alegria!
Pois não entendes, burro?”

Catulo ainda ofende o marido de sua ex companheira e diz o quanto ele é um “imbecil no auge da alegria!”. Após fazer isso, ele ainda ressalta que seria melhor que ela o esquecesse, ao invés de ficar difamando-o. Por causa dessa difamação, diz que ela não só lembra, como ainda o ama. Escancarando assim, tamanho recalque por ela tê-lo deixado.

Na canção de Ricardo Galeno interpretada por Maria Bethânia, observa-se uma mulher que é amante de um homem casado. Ela revela que faz isso, pois a mulher dele não consegue atender aos seus desejos. Tal revelação ocorre nos versos da primeira estrofe.

Ele é casado e eu sou a outra,
Na vida dele,
Que vive qual uma brasa,
Por lhe faltar
Tudo em casa.”

Ela sente-se injustiçada, pois é difamada pelo mundo. Isso é observado na segunda e terceira estrofe da canção:

Ele é casado e eu sou a outra,
Que o mundo difama,
Que a vida, ingrata, maltrata,
E, sem dó, cobre de lama.

Quem me condena, como se condena
Uma mulher perdida,
Só me vêem na vida dele,
Mas não o vêem, na minha vida.”

Na última estrofe ela tem um comportamento recalcado por ser a outra na relação, comparando-se e dizendo-se com mais classe. O eu lírico de Ricardo Galeno, assim como Catulo, ofende o companheiro atual de seu respectivo amante, chamando-a, indiretamente, de incompetente:

Não tenho lar, trago o coração ferido,
Mas tenho muito mais classe,
Do que quem não soube prender o marido.”


Portanto em ambos os poemas, se pode notar um comportamento recalcado dos eu líricos e a uma postura como injustiçados e difamados perante suas histórias, em que ambos são trocados por outras pessoas.
Pode-se notar que ambos os poemas revelam uma estética de intensidade que transpõe as barreiras textuais que sensibilizam o leitor, de modo a descrever em insultos em forma veemente. Tal estética é apontada no texto de Paul Veyne:

A estética moderna é uma estética de intensidade; os poetas que apreciamos são aqueles que teriam podido dizer a si mesmo (... ) A intensidade está para além dos “estilos” no sentido corrente da palavra: existem classicismos intensos (...)
Emoção intensa, associada a uma intensa ostentação de imagens: eis o que é a poesia destes dois últimos séculos;”

Com todo este relato no texto de Veyne, é possível fazer a identificação de elementos importantes como a “revolução da sensibilidade”, diretamente ligada a esta emoção intensa descrita pelo autor. Sobre a “ostentação de imagens”, é ela que garante a autenticidade do texto, que por fim retrata a profundidade das emoções buscada pelos dois autores cujos textos foram comparados.


                                  (Thiago Sabb Waghabi)

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