"Mvsa mihi cavsas memora"

quinta-feira, 30 de junho de 2011

Horacio

Odes


Primeiro Livro

3

ROMARIA
Carlos Drummond de Andrade

Os romeiros sobem a ladeira
cheia de espinhos, cheia de pedras,
sobem a ladeira que leva a Deus
e vão deixando culpas no caminho.

Os sinos tocam, chamam os romeiros:
vinde lavar os vossos pecados.
Já estamos puros, sino, obrigados,
mas trazemos flores, prendas e rezas.

No alto do morro chega a procissão.
Um leproso de opa empunha o estandarte.
As coxas das romeiras brincam no vento.
Os homens cantam, cantam sem parar.

No adro da igreja há pinga, café,
imagens, fenômenos, baralhos, cigarros
e um sol imenso que lambuza de ouro
o pó das feridas e o pó das muletas.

Meu Bom Jesus que tudo podeis,
Humildemente te peço uma graça.
Sarai-me, Senhor, e não desta lepra,
Do amor que eu tenho e que ninguém me tem.

Senhor, meu amo, dai-me dinheiro,
muito dinheiro para eu comprar
aquilo que é caro mas é gostoso
e na minha terra ninguém não possui.

Jesus meu Deus pregado na cruz,
me dá coragem pra eu matar
um que me amola de dia e de noite
e diz gracinhas à minha mulher.

Jesus, Jesus piedade de mim.
Ladrão eu sou, mas não sou ruim não.
Por que me perseguem não posso dizer.
Não quero ser preso, Jesus ó meu santo.

Os romeiros pedem com os olhos,
pedem com a boca, pedem com as mãos.
Jesus já cansado de tanto pedido
dorme sonhando com outra humanidade.

Tanto no poema de Horacio quanto no poema de Drummond, podemos observar a questão metafísica, no diálogo com Jesus no poema moderno e na questão de referência a Deuses no poema de Horácio.
Há em ambos a existência de um ritual ao mito religioso, no poema de horaciano o questionamento aos deuses e no poema de Carlos Drummond há a procissão que é um ritual religioso comum em que seguidores de um culto caminham entoando ou recitando preces, fundamentalmente a prece como um desabafo e com pedido de graças.
Mas apesar dessas semelhanças sutis encontrado nos dois poemas, é mais evidente a questão da diferença entre a existência do Deus na poesia moderna e no caso da poesia de Horacio dos Deuses.
Na poesia contemporânea temos o culto a um único Deus, enquanto na poesia de Horacio percebemos a existência de deuses.
Ex:
Os romeiros sobem a ladeira
cheia de espinhos, cheia de pedras,
sobem a ladeira que leva a Deus
Carlos Drummond de Andrade

Inutilmente um Deus sensato separou
Horacio
A maior proximidade dessa divindade em relação às questões humanas se diferencia da nossa sociedade moderna, que distancia o homem de Deus.
Um ato de Deus na poesia moderna não seria julgado como inútil, ainda que a sociedade atual seja extremamente religiosa, e um poema que questionasse as ações de Deus seria considerado desrespeitoso, mas a questão do julgamento da ação divina como inútil, ainda que sensata, demonstra o quanto os homens se aproximam da divindade, enquanto que no poema de Drummond a prece como forma de comunicação com Deus mostra o distanciamento visto que, a comunicação é feita através do ritual e não de forma qualquer como em um diálogo com uma pessoa comum.
Ainda podemos observar a diferença na leitura do poema Romaria e de Horacio, em que o de Horacio parece monótono e muito maior e mais complexo do que ele realmente é, enquanto o Romaria gera entretenimento e a sensação de presenciar o que está sendo narrado, o poema moderno parece vivo, intenso enquanto o horaciano parece morno, chato e pouco expressivo.

(Fernanda Cerqueira de Mello)

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