"Mvsa mihi cavsas memora"

quarta-feira, 29 de junho de 2011

Elegia erótica: Amores I. 5
Ovídio, Amores I. 5 (1-2; 9-26)
Trad. José Paulo Paes


Era intenso o calor, passava já do meio dia;
Estendi-me na cama a repousar os membros.
(...)
Eis que chega Corina numa túnica ligeira,
Cobriam os cabelos seu alvo pescoço;
Assim entrava na alcova a formosa Semíramis,
Diz-se, e Laís, a quem tantos homens amaram.
Desvesti-lhe a túnica; de tão tênue, mal contava:
Ela lutou, entanto, por cobrir-se com
A túnica, mas sem nenhum empenho de vencer:
Venceu-a, sem pesar, a sua traição.
Ficou em pé, sem roupa alguma, diante de meus olhos.
Não havia, em seu corpo, um só defeito.
Que ombros e que braços a mim foi dado ver, tocar!
Os belos seios, que doce comprimi-los!
Que ventre mais polido logo debaixo do peito!
As ancas, que primor! Que juvenil a coxa!
Por que pormenorizar? Nada vi de não louvável!
E a nudez lhe estreitei contra o meu próprio corpo.
Quem não sabe o resto? Exaustos, repousamos depois.
Que outros meios-dias me sejam tão prósperos.

 

Adormecida- CastrAo Alves
Uma noite eu me lembro... Ela dormia
Numa rede encostada molemente...
Quase aberto o roupão... solto o cabelo
E o pé descalço do tapete rente.
'Stava aberta a janela. Um cheiro agreste
Exalavam as silvas da campina...
E ao longe, num pedaço do horizonte
Via-se a noite plácida e divina.
De um jasmineiro os galhos encurvados,
Indiscretos entravam pela sala,
E de leve oscilando ao tom das auras
Iam na face trêmulos — beijá-la.
Era um quadro celeste!... A cada afago
Mesmo em sonhos a moça estremecia...
Quando ela serenava... a flor beijava-a...
Quando ela ia beijar-lhe... a flor fugia...
Dir-se-ia que naquele doce instante
Brincavam duas cândidas crianças...
A brisa, que agitava as folhas verdes,
Fazia-lhe ondear as negras tranças!
E o ramo ora chegava, ora afastava-se...
Mas quando a via despeitada a meio,
P'ra não zangá-la... sacudia alegre
Uma chuva de pétalas no seio...
Eu, fitando esta cena, repetia
Naquela noite lânguida e sentida:
"Ó flor! — tu és a virgem das campinas!
"Virgem! tu és a flor da minha vida!..."

 
Análise
Públio Ovídio Naso, nascido em Veneza, conhecido como poeta dos amores, em sua primeira obra: “Amores” nos presenteia com uma seleção de elegias amorosas, das quais,eu escolhi a cinco,onde podemos ver uma bela cena de concretização amorosa. Eu - lírico demonstra uma desejo imenso pela mulher que ele vê chegar de túnica, descreve-a belíssima, e nos é explícito o ato amoroso, acompanhado de um descanso, e pela espera de outras oportunidades com aquela.
Castro Alves, poeta brasileiro romântico de terceira geração, conhecida também como Condoreira, acabou recebendo a alcunha de poeta dos escravos, porém não somente desta temática vivia. Vemos nesta poesia uma abordagem um pouco mais próxima aos poetas românticos das outras gerações. O eu - lírico cria a imagem da mulher amada,porém não a idealiza, percebemos características sensuais, aliado ao excesso de adjetivos que nos permite pensar uma suposta proximidade. Abusa de metáforas para nos mostrar implicitamente o ato sexual, no entanto segue exaltando a virgindade da mulher, e até mesmo mostrando um lado platônico do amor.
Notamos, então que a temática dos dois textos é a consumação do ato amoroso. Porém em Ovídio, o sexo está explícito, como notamos em: “E a nudez lhe estreitei contra o meu próprio corpo./Quem não sabe o resto? Exaustos, repousamos depois.”. Porém em Alves vemos o sexo de forma implícita: “E o ramo ora chegava, ora afastava-se.../Mas quando a via despeitada a meio,/P'ra não zangá-la... sacudia alegre/Uma chuva de pétalas no seio...”. Ou seja, dada a imensa valorização do esteticismo, o eu- lírico desenha para nós, uma cena explícita de sexo, totalmente plástica, já a voz que fala em Adormecida deixa não só a forma como é feita, mas de certa perspectiva se até mesmo é feita.
A partir do Romantismo, a preceptiva clássica será diluída em busca da liberdade criativa, onde o artista é livre para por em seu eu- lírico “a emoção profunda, a emoção nua, sem notas explicativas.” (VEYNE, Paul.). O mesmo citado afirma que a marca distintiva dessa estética é a intensidade, e que ela não respeita, na sua ânsia expressiva, qualquer distinção de gênero, qualquer freio às emoções. Todo este discurso metodológico nos é claro na poesia de Alves em: "Ó flor! — tu és a virgem das campinas!/” Virgem!Tu és a flor da minha vida!...".
Talvez pela intensa procura do belo, da minúcia, ou até mesmo da própria mimese tão valorizada pela arte clássica. Onde o cuidado com todos os termos, com a forma, e com a própria técnica do texto. A tão famosa verossimilhança que podemos encontrar no seguinte trecho: ”Ela lutou, entanto, por cobrir-se com túnica, mas sem nenhum empenho de vencer: Venceu-a, sem pesar, a sua traição.
Ficou em pé, sem roupa alguma, diante de meus olhos.”, a procura pela proximidade à realidade, com as personagens, com os deuses, e com a própria unidade do texto acaba representando o que para alguns é chato, no entanto, Veyne considera um vício de intensidade dos apreciadores de artes atuais.
Evidente que Ovídio é um grande poeta, inovador, com esta lírica erótica, e ao mesmo tempo satírica. Porém seu eu - lírico é prisioneiro da métrica clássica, que em seu tempo era tão valorizada, do mesmo modo que Castro Alves foi refém da intensidade, dos séculos XIX(e que nos persegue até hoje) constrói um eu - lírico cujo objetivo em todos os versos é mostrar sua sentimentalidade em relação à mulher amada.
                                         (Igor Guimarães)

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