"Mvsa mihi cavsas memora"

quarta-feira, 29 de junho de 2011

TRABALHO DE MATRIZES CLÁSSICAS ROMANAS


POESIA ANTIGA E CONTEMPORÃNEA


PROPÉRCIO
Ó doce sonho

Ó doce sonho, quando primeiro fui testemunha consciente
Do vosso amor em lágrimas! Ó que doce prazer para mim
Lembrar daquela noite, ó quantas vezes por meus desejos ela deve ser lembrada:
Vimos tu, Gallo, deitado com uma mulher abraçada
E murmurar palavras com longas pausas.
Embora o sono pressionasse meus olhos
Que iam se fechando e a lua se enrubescesse já no meio do céu,
Entretanto, eu não podia me afastar do vosso jogo:
Tanto era o ardor em vossas vozes.
Mas, porque não estás receoso de confiar em nós,
Aceite as recompensas da alegria da confiança:
Não só aprendi a guardar segredo das vossas dores.
Há algo entre nós, maior que a fidelidade, amigo.
Eu posso unir muitos amantes de novo,
E posso curar os ferimentos recentes dos outros.
Não é fraco o remédio nas minhas palavras.
Cíntia sempre me ensinou quais as coisas que deveriam
Ser desejadas e quais evitadas: o Amor sempre age.
Seja precavido para que não desejes brigar com uma mulher triste,
Nunca fale com soberba, Nem cale por muito tempo;
Nem, se ele pediu alguma coisa, negues com a fronte aborrecida,
Nem deixes que saiam de ti palavras em vão.
Ela fica irritada quando ignorada
E ofendida quando não lembras de dar-lhe o justo tratamento:
Entretanto quanto mais humilde e sujeito ao amor,
Muitas vezes mais usufruirás bom resultado.
Alguém poderá deixar uma mulher feliz
Que nunca se sentiu abandonada com peito vazio.



Observa-se que o núcleo temático desta elegia é marcado pela freqüência da palavra amor e por outros vocábulos a ela relacionadas, e que o amor é o ponto central da poesia, tema explorado exaustivamente pelos poetas elegíacos.
Vimos que Propércio não se dirige como de praxe à sua amada, mas ao amigo Gallo. É a experiência amorosa com a sua verdadeira paixão “Cintia”, que servirá como fio condutor do seu poema.
Observamos que este procedimento de se referir a um amigo para falar de assuntos de amor ocorre com certa freqüência na poética de Propércio.
O poema de Propércio descreve com muito poder de convencimento suas decepções e desilusões amorosas, retratando de forma negativa e perturbadora os males de quem se deixa dominar pelo amor.
Paul Veyne chama a nossa atenção para o tédio que nos causa a leitura da elegia de Propércio. Diz que procuramos a estética moderna da intensidade e encontramos uma poesia racional, constituída com base na estética clássica, seguindo os modelos gregos.
É preciso admitir que Propércio, assim como os outros autores elegíacos, apoiava-se em tradições e em valores diferentes dos nossos. Só assim, podemos entender que a “sinceridade” de sentimentos, que se espera dos elegíacos é provocada por uma visão estética diferente da dos leitores Audi entes da antiguidade.




VINÍCIUS DE MORAES
Elegia Lírica

(...)
A minha namorada é tão bonita, tem olhos como besourinhos do céu
Têm olhos como estrelinhas que estão sempre balbuciando aos passarinhos...
É tão bonita! Tem um cabelo fino, um corpo menino e um andar pequenino
E é a minha namorada... vai e vem como uma patativa, de repente morre de amor
Tem fala de S e dá impressão que está entrando por uma nuvem adentro...
Meu Deus, eu queria brincar com ela, fazer comidinha, jogar nai-ou-nentes
Rir e num átimo dar um beijo nela e sair correndo
E ficar de longe espiando-lhe a zanga, meio vexado, meio sem saber o que faça...
A minha namorada é muito culta, sabe aritmética, geografia, história, contraponto
E se eu lhe perguntar qual a cor mais bonita ela não dirá que é a roxa porém brique.
Ela faz coleção de cactos, acorda cedo vai para o trabalho
E nunca se esquece que é a menininha do poeta.
Se eu lhe perguntar: Meu anjo, quer ir a Europa? Ela diz: Quero se mamãe for!
Se eu lhe perguntar: Meu anjo, quer casar comigo? Eça diz... – não, ela não acredita
É doce! Gosta muito de mim e sabe dizer sem lágrimas:
Vou sentir tantas saudades quando você for...
É uma nossa senhorazinha, é uma cigana, é uma coisa
Que me faz chorar na rua, dançar no quarto, ter vontade de me matar
E de ser presidente da república.
É boba, ela! Tudo faz, tudo sabe, é linda, o anjo de Domremy!
Dêem-lhe uma espada, constrói um reino: dêem-lhe uma agulha, faz um crochê
Dêem-lhe um teclado, faz uma aurora, dêem-lhe razão, faz uma briga...!
E do pobre ser que Deus lhe deu, eu, filho pródigo, poeta cheio de erros
Ela fez um eterno perdido...


O título Elegia Lírica remete as relações entre os signos aos cantares de amor provençal, as cantigas de amor onde o eu - lírico é um vassalo apaixonado, que ama a sua inatingível amada e que a idealiza e sonha tomá-la a mulher amada, e tem por conseqüência um amor conflitante e melancólico. Verso 6./... dá impressão de que está entrando por nuvem adentro.../ , Verso 13./... Meu anjo.../ , Verso 12./... menininha do poeta.../ que comprova que o eu - lírico e amada contrapõe-se em mundos diferentes.
Portanto este fragmento da poesia Elegia Lírica, expressa um sentimento amoroso do eu - lírico masculino (comprovada em gênero, no objeto de seu amor a sua amada, presente na unidade lingüística / ... minha namorada... / , Verso 4.). Dessa maior expressão, o Amor, faz-se brotar suas múltiplas manifestações sentimentais, características da intertextualidade usada pelo poeta, em remeter sua poesia modernista as antigas canções de amor.

Fazendo uma breve análise dos poemas de Propércio e Vinícius De Moraes, percebemos a predominância do eu – lírico, e ambos retratam ao mesmo tema “O amor”, como objeto de suas vidas.
Propércio tem como principal fio condutor a experiência amorosa vivenciada com Cíntia. É um poema-catarse, fruto de uma paixão, em que Propércio dá vazão as suas desilusões e decepções amorosas.
Vinícius De Moraes, de maneira magistral fala da intensidade do amor como uma experiência necessária, mesmo que venha a causar dor e melancolia - seria o sofrer de amor.




( Dóris de Castro Monteiro )

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