"Mvsa mihi cavsas memora"

quinta-feira, 30 de junho de 2011

Caio Valério Catulo

Meu pobre Catulo põe um termo neste delirar
e considera perdido o que vês que se perdeu.
Em tempos passados sóis luminosos brilharam
quanto tu, constantemente, corrias
para onde te chamava a jovem por nós tão amada
quanto nenhuma outra será jamais amada.
Nestes encontros então aconteciam aqueles
inumeráveis momentos de prazer: o que tu querias
a jovem também não o deixava de querer.
Sóis luminosos realmente brilharam para ti.
Hoje, porem, ela já não quer mais.
Também tu, incapaz de te conteres, não queiras mais,
não persigas aquela que te foge, não vivas infeliz,
mas conserva inflexível teu espírito, resiste.
Adeus, minha jovem amiga, Catulo já resiste,
não mais irá te procurar, não mais te convidará
a um encontro, se não o desejares.
Mas tu chorarás quando não mais fores solicitada
Ai de ti, infeliz. Que vida te está reservada?
Que homem irá ter contigo?
A quem parecerás bela? Agora a quem amarás?
A quem dirão que pertences? A quem beijarás?
De quem morderás os lábios?
Mas tu Catulo, resiste.

Aparição
Um dia, meu amor (e talvez cedo, 
Que já sinto estalar-me o coração!) 
Recordarás com dor e compaixão 
As ternas juras que te fiz a medo... 
Então, da casta alcova no segredo, 
Da lamparina ao trémulo clarão, 
Ante ti surgirei, espectro vão, 
Larva fugida ao sepulcral degredo... 
E tu, meu anjo, ao ver-me, entre gemidos 
E aflitos ais, estenderás os braços 
Tentando segurar-te aos meus vestidos... 
— «Ouve! espera!» — Mas eu, sem te escutar, 
Fugirei, como um sonho, aos teus abraços 
E como fumo sumir-me-ei no ar! 
Antero de Quental, in "Sonetos"

Tanto no poema de Caio Valério Catulo quanto no de Antero de Quental temos o grande amor, característico da lírica:
quanto tu, constantemente, corrias
para onde te chamava a jovem por nós tão amada
quanto nenhuma outra será jamais amada.
Nestes encontros então aconteciam aqueles
inumeráveis momentos de prazer: o que tu querias
a jovem também não o deixava de querer.
Sóis luminosos realmente brilharam para ti.” (Catulo)

As ternas juras que te fiz a medo...” (Antero de Quental)

E, ainda, temos espécie de advertência a essa mulher amada de que aquele que tanto a ama partirá de sua vida; que esse amor imenso não será mais o mesmo. E esse será o ponto central de ambos os poemas – o amor que se tornará apenas uma recordação:

Adeus, minha jovem amiga, Catulo já resiste,
não mais irá te procurar, não mais te convidará
a um encontro, se não o desejares.
Mas tu chorarás quando não mais fores solicitada
Ai de ti, infeliz. Que vida te está reservada?
Que homem irá ter contigo?
A quem parecerás bela? Agora a quem amarás?
A quem dirão que pertences? A quem beijarás?
De quem morderás os lábios?” (Catulo)

Recordarás com dor e compaixão (...)E tu, meu anjo, ao ver-me, entre gemidos 
E aflitos ais, estenderás os braços 
Tentando segurar-te aos meus vestidos... 
— «Ouve! espera!» — Mas eu, sem te escutar, 
Fugirei, como um sonho, aos teus abraços 
E como fumo sumir-me-ei no ar!” (Antero de Quental)

Há duas características diferentes entre os poemas. No poema de Catulo, o tempo do amor é passado, e o presente já é a ruptura entre o eu lírico e a mulher amada, que se estenderá pelo futuro. Já no poema de Antero de Quental, o tempo do amor é presente, mas a ruptura se mostra como algo que virá em breve, o que a faz ser, até mesmo, em sentido de presente, e não de futuro, porém, seguindo por esse. Outra diferença é que no poema de Catulo, o eu lírico não é o próprio apaixonado, mas outro que acompanha sua história e o instrui sobre como agir, e se dirige à mulher por esse homem amada, advertindo-a da transformação por que passará esse amor. Já em “Aparição”, o próprio eu lírico se dirige à mulher amada, já que ele mesmo é o homem que a ama.

A teórica Zélia de Almeida Cardoso (2003) separa a produção de Catulo em três grupos e nos mostra características claras tanto do primeiro quanto do terceiro grupo que podemos perceber no poema ora retratado: a tristeza é a maior delas, mas também presentes a amargura, o desencanto, que notamos também na obra de Antero de Quental. O eu lírico em Catulo tem, ainda, uma agressividade que não é tão forte em Antero de Quental. Entretanto, é notória a desilusão que essas mulheres (“musas”) causam nesses homens apaixonados.
O teórico Paul Veyne (1985) retrata sobre as formas do clássico e do moderno. A intensidade com que o eu lírico vive esse amor, notamos mais forte em Catulo do que em Antero de Quental, e o isolamento a que esse amor leva esse eu lírico são características bastante ressaltadas no moderno, mas claras na obra de Catulo. A intensidade ao expressar seus sentimentos é algo bastante trabalhado pelo autor em seu texto e que notamos nas obras comparadas.

(Alexandre Silva e Bianca Sant’Anna)

Referências Bibliográficas:
CARDOSO, Zelia de Almeida. A Literatura Latina. 2 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003.
VEYNE, Paul. A elegia erótica romana. São Paulo: Brasiliense, 1985.
QUENTAL, Antero de. Sonetos: Org.: António Sérgio. Lisboa: Sá da Costa, 1979.

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