"Mvsa mihi cavsas memora"

segunda-feira, 27 de junho de 2011

Trabalho de Matrizes Clássicas Romanas

Comparações entre Poesia Antiga e Contemporânea.

DEIXA-ME! (FAGUNDES VARELA)
Quando cansado da vigília insana
Declino a fronte num dormir profundo,
Por que teu nome vem ferir-me o ouvido,
Lembrar-me o tempo que passei no mundo?
Por que teu vulto se levanta airoso,
Tremente em ânsias de volúpia infinda?
E as formas nuas, e ofegante o seio,
No meu retiro vens tentar-me ainda?
Por que me falas de venturas longas,
Por que me apontas um porvir de amores?
E o lume pedes à fogueira extinta,
Doces perfumes a polutas flores?
Não basta ainda essa existência escura,
Página treda que a teus pés compus?
Nem essas fundas, perenais angústias,
Dias sem crenças e serões sem luz?
Não basta o quadro de meus verdes anos
Manchado e roto, abandonado ao pó?
Nem este exílio, do rumor no centro,
Onde pranteio desprezado e só?
Ah! Não me lembres do passado as cenas,
Nem essa jura desprendida a esmo!
Guardaste a tua? A quantos outros, dize,
A quantos outros não fizeste o mesmo?
A quantos outros inda os lábios quentes
De ardentes beijos que eu te dera então,
Não apertaste no vazio seio
Entre promessas de eternal paixão?
Oh! Fui um doido que segui teus passos,
Que dei-te em versos de beleza a palma;
Mas tudo foi-se, e esse passado negro
Por que sem pena me despertas n'alma?
Deixa-me agora repousar tranqüilo,
Deixa-me agora dormitar em paz,
E com teus risos de infernal encanto
Em meu retiro não me tentes mais!




8 (Caio Valério Catulo)

Meu pobre Catulo, põe um termo neste delirar
E considera perdido o que vês que se perdeu.
Em tempos passados sóis luminosos brilharam
Quando tu, constantemente, corrias
Para onde te chamava a jovem por nós tão amada
Quanto nenhuma outra será jamais amada.
Nestes encontros então aconteciam aqueles
Inumeráveis momentos de prazer: o que tu querias
A jovem também não o deixava de querer.
Sóis luminosos realmente brilharam para ti.
Hoje, porém, ela já não te quer mais.
Também tu, incapaz de te conteres, não queiras mais,
Não persigas aquela que te foge, não vivas infeliz,
Mas conserva inflexível teu espírito, resiste.
Adeus, minha jovem amiga, Catulo já resiste,
Não mais irá te procurar, não mais te convidará
A um encontro, se não o desejares.
Mas tu chorarás quando não mais fores solicitada.
Ai de ti, infeliz. Que vida te está reservada?
Que homem irá ter contigo?
A quem parecerás bela? Agora a quem amarás?
A quem dirão que pertences? A quem beijarás?
De quem morderás os lábios?
Mas tu, Catulo, resiste.


Nas obras de Catulo e Fagundes Varela, encontramos um tema em comum: O amor. Mas esse amor não está em sua forma idealizada, ele se encontra desiludido, traído e recalcado. O que diverge nessas obras além de seus autores e os séculos que as separam, é a forma como essas linhas são escritas e contadas.
Na poesia de Catulo, há uma conformidade, um sofrimento inerte e comedido que não se exaspera nem explode em suas emoções. Diferentemente da poesia moderna de Varela, que em toda sua consternação não se resigna a palavras suaves nem tenta camuflar o tamanho de sua revolta com a dispensa de seu amor.
Podemos vislumbrar esses exemplos nas passagens:

E considera perdido o que vês que se perdeu.
Em tempos passados sóis luminosos brilharam
Quando tu, constantemente, corrias
Para onde te chamava a jovem por nós tão amada”
(Catulo)

Não basta o quadro de meus verdes anos
Manchado e roto, abandonado ao pó?
Nem este exílio, do rumor no centro,
Onde pranteio desprezado e só?
(Fagundes Varela)


Como pudemos observar nos texto “Epílogo”, de Paul Veyne, base teórica desse trabalho, há na poesia moderna traços fortes, que dispensam delicadezas e focam-se em mostrar sentimentos intensos, que por vezes com uso de palavras incomuns e o modo como se colocam podem confundir o leitor, que por ficar impressionado por tal forma de expressão, e imagens difíceis de imaginar, considera a poesia sincera e autêntica. Ele fala da tríplice verdade na arte e na literatura moderna:

Tal é a tríplice verdade da arte e da literatura modernas: ver mais amplamente, fazer mais fortemente, ir mais longe na beleza e na realidade” (Veyne, Paul. Epílogo)

Podemos ver um exemplo do que Veyne fala na seguinte passagem de Varela:


Por que me falas de venturas longas,
Por que me apontas um porvir de amores?
E o lume pedes à fogueira extinta,
Doces perfumes a polutas flores?

Não basta ainda essa existência escura,
Página treda que a teus pés compus?
Nem essas fundas, perenais angústias,
Dias sem crenças e serões sem luz?”

Há também um visível contraste no modo como os dois poetas tratam os possíveis amores ou casos de suas amadas. Catulo trata o assunto com recalque, mas sem sobressalto, como se a mulher não fosse encontrar amor e respeito com mais ninguém além dele. Enquanto Varela é ríspido em suas palavras. Vejamos a diferença:

Mas tu chorarás quando não mais fores solicitada.
Ai de ti, infeliz. Que vida te está reservada?
Que homem irá ter contigo?
A quem parecerás bela? Agora a quem amarás?
A quem dirão que pertences? A quem beijarás?
De quem morderás os lábios?”
(Catulo)



Ah! Não me lembres do passado as cenas,
Nem essa jura desprendida a esmo!
Guardaste a tua? A quantos outros, dize,
A quantos outros não fizeste o mesmo?
A quantos outros inda os lábios quentes
De ardentes beijos que eu te dera então,
Não apertaste no vazio seio
Entre promessas de eternal paixão?”
(Fagundes Varela)
Até mesmo no “virar da página” dos seus findos romances eles diferem:

Mas tu, Catulo, resiste.”
Deixa-me agora repousar tranqüilo,
Deixa-me agora dormitar em paz,
E com teus risos de infernal encanto
Em meu retiro não me tentes mais!”

Por fim, podemos constatar com mais clareza as divergências que existem entre as



poesias antigas e contemporâneas, analisando os elementos característicos correspondentes ao tempo em que elas foram produzidas.

                                       (Isabelly Costa)


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