"Mvsa mihi cavsas memora"

terça-feira, 7 de junho de 2011

Análise comparativa entre as obras de Catulo e Florbela Espanca

CATULO E FLORBELA _ OS DOIS LADOS DA MOEDA










Amar!

Florbela Espanca

       Eu quero amar, amar perdidamente
 Amar só por amar: aqui... além...
                        Mais Este e Aquele, o Outro e toda a gente...
       Amar!  Amar!  E não amar ninguém!

       Recordar?  Esquecer?  Indiferente!...
             Prender ou desprender?  É mal?  É bem?
         Quem disser que se pode amar alguém
           Durante a vida inteira é porque mente!
Há uma primavera em cada vida:
É preciso cantá-la assim florida,
                Pois se Deus nos deu voz, foi pra cantar!

          E se um dia hei de ser pó, cinza e nada
       Que seja a minha noite uma alvorada,
              Que me saiba perder... pra me encontrar...



                                                                                               109



                           Minha vida!, me dizes que este nosso amor
                           será feliz aos dois, será eterno.
                          Deuses grandes, fazei que prometa a verdade,
                          que sincera e de coração o diga
                         e que nos seja dado, a vida inteira, sempre
                        este pacto viver de amor sagrado.
                                                                              (1-6, Catulo)



       Em “Amar”, de Florbela Espanca, o eu lírico afirma ser impossível amar a mesma pessoa durante toda a vida. E conclui ser preciso amar; amar intensamente e não amar ninguém. Em oposição a este pensamento, temos, nos versos de Catulo, um eu lírico que fala de um amor eterno, pede aos deuses que permitam que haja sinceridade nas palavras de sua amada.
     É interessante notar que, embora os poemas apontem diferentes concepções sobre um mesmo sentimento, ambos apresentam uma mesma preocupação com a durabilidade do amor. Podemos fundamentar isso, atentando, por exemplo, para os dois últimos versos do segundo quarteto de Florbela e o segundo verso do poema de Catulo:




                                                                                     Quem disser que se pode amar alguém
                                                                                     Durante a vida inteira é porque mente!

                                                                                                                             (Espanca, “Amar!”)


                                                                                   será feliz aos dois, será eterno.

                                                                                                                                (1-6, Catulo)



    No poema de Florbela, podemos notar uma intensidade que contrasta com o poema do poeta elegíaco latino. Uma marca dessa intensidade na poetisa moderna é o uso de figuras. Por exemplo, o poema fala em “uma primavera em cada vida”, “hei de ser pó, cinza e nada” e “seja minha noite uma alvorada”. Já na poesia de Catulo, temos um texto não figurativo. Outro fator que passa-nos a impressão de maior intensidade no poema moderno do que no clássico, é a forma como se aborda a temática do amor. Em Florbela, o foco central é o amor. Não importa a pessoa a quem se ama, mas sim o sentimento, as sensações geradas por este. Na obra de Catulo, diferentemente, vemos o foco sendo voltado para a mulher amada.
     Numa comparação entre o poema 85 de Catulo e “Confissão” de Florbela Espanca somos surpreendidos pela temática que apresenta um mesmo paradoxo:





Odeio e amo. Talvez queiras saber "como?"
Não sei. Só sei que sinto e crucifico-me.
(Catulo)


                                                                         Confissão



 
                             Aborreço-te muito. Em ti há qualquer cousa
                             De frio e de gelado, de pérfido e cruel,
                             Como um orvalho frio no tampo duma lousa,
                             Como em doirada taça algum amargo fel.
                              Odeio-te também. O teu olhar ideal
                              O teu perfil suave, a tua boca linda,
                              São belas expressões de todo o humano mal
                              Que inunda o mar e o céu e toda a terra infinda.
                       Desprezo-te também. Quando te ris e falas,
                              Eu fico-me a pensar no mal que tu calas
                              Dizendo que me queres em íntimo fervor!
                             Odeio-te e desprezo-te. Aqui toda a minh’alma
                             Confessa-to a rir, muito serena e calma!
                             ……………………………………………………..
                             Ah, como eu te adoro, como eu te quero, amor!…



    O eu lírico de Catulo apresenta-nos a expressão do amor através do paradoxo odi e amo. No segundo verso do poema, encontramos a palavra excrucior que significa “submeter ao castigo da cruz”, pena que era utilizada apenas para escravos, dando ênfase ao sentir-se atormentado.
    Não coincidentemente, o soneto de Florbela expressa-se de forma também paradoxal ao revelar odiar, mas ainda assim, amar alguém que afirma ter “qualquer cousa de pérfido e cruel”, um sentimento que poderíamos comparar ao excrucior do poema de Catulo.
      A expressão do amor servindo-se do paradoxo odi et amo é algo que permeará a poesia ao longo dos vários séculos entre Catulo e Florbela. Entretanto, vale salientar novamente a questão da estética da intensidade ao comparar o emprego desse paradoxo. Em Catulo, notamos um eu lírico que precisa explicar o que sente ( “Talvez queiras saber “como”?”). Por mais que ele não explique, ele salienta a importância de fazer-se compreender com sua pergunta. Em contraste, não observamos a mesma necessidade de clareza no soneto de Florbela Espanca. Muito pelo contrário: o verso “confesso-te a rir, muito serena e calma!” pode causar no leitor até certa confusão. Como alguém diante dessa confusão romântica, dividida entre amar e odiar, pode rir, sentir-se calma, serena? Notamos, também, o uso de figuras em Florbela mas que é ausente na poesia catuliana. Em “Confissão”, por exemplo, temos várias imagens: “orvalho frio no tampo duma lousa”, “inunda o mar e o céu”, só para citar algumas.

2 comentários:

  1. Difícil não notar tamanha semelhança nesses poemas de Catulo e Florisbela. Ambos falam de um amor que transcende, forte, intenso. A escolhas das palavras no poema "Amar"!, expressam bem essa transcedência através do amor: 'perdidamente', 'além', 'mais', 'durante a vida inteira'. Apesar do eu lírico no poema "109", de Catulo, se referir a um amor diferente do que aparece na poesia da Florisbela, ainda encontramos semlhanças no tratamento dado a esse amor, que se evidencia na combinação e escolha das palavras : 'eterno', 'vida inteira', 'pacto', 'sempre'. É possível ver, entre esses dois poemas, um diálogo claro, não só no que diz respeito`ao tema, mas também na estética.

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  2. Jéssica dos Santos Silva2 de julho de 2011 às 10:39

    Pode-se perceber claramente que os dois poemas apresentados possuem o mesmo tema, o amor.Porém, esse amor é tratado de diferentes formas, enquanto o primeiro trata de um amor ao qual não podemos nos prender e deixa claro ser impossível amar alguém eternamente; Catulo em suas obras exalta o amor como algo eterno, como um sentimento "enlouquecedor". Além disso, pode-se dizer que o poema de Florbela Espanca retrata bem a realidade em que vivemos, pois o amor perdeu muito seu valor e não é mais visto como antigamente, pois hoje, a sociedade valoriza apenas os momentos. Por isso,adorei o aluno ter escolhido tais poemas para a análise.

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