"Mvsa mihi cavsas memora"

segunda-feira, 27 de junho de 2011

Falando de Amor


32

Por favor, minha doce Ipsitila,
meu amor, encanto de minha vida,
convida-me a fazer a sesta contigo esta tarde.
E se me convidares, faze-me este obséquio:
que nenhum outro tranque a folha da porta da entrada,
que não te apraza ir a outro lugar,
mas espera-me em tua casa e prepara-te
para nos unirmos nove vezes seguidas.
Entretanto, se estiveres disposta a isto,
convida-me agora mesmo pois, tendo já almoçado,
estou repousando e, bem saciado, deitado de costas,
começo a perfurar minha túnica e meu manto.


Sugar e ser sugado pelo amor

Sugar e ser sugado pelo amor
no mesmo instante boca milvalente
o corpo dois em um gozo pleno
que não pertence a mim nem te pertence
um gozo de fusão difusa transfusão
o lamber o chupar o ser chupado
no mesmo espasmo
é tudo boca boca boca boca
sessenta e nove vezes boquilíngua



Ao observar o poema de Catulo, percebe-se que a característica erótica se desenvolve a partir do convite sexual que o eu-lírico espera receber. Já o poema de Drummond, apresenta um elevado grau de erotismo em toda sua composição. Nesta obra, a ostentação de imagens é excessiva, de modo que a intensidade das emoções, das palavras, das imagens, torna-se evidente. Apesar do apelo sexual, o amor se faz presente na poesia de Drummond, uma vez que em todo momento o poeta faz menção a uma relação a dois, aos sentimentos recíprocos de um casal.

A escolha das palavras de Drummond (tais como chupar, lamber, sessenta e nove vezes) torna o erotismo mais direto. No entanto, o erotismo em Catulo se faz presente, dadas as considerações relevantes a sua época, através de versos:

mas espera-me em tua casa e prepara-te
para nos unirmos nove vezes seguidas”

e

é tudo boca boca boca boca
sessenta e nove vezes boquilíngua”


Segundo o texto de Paul Veyne,
Emoção intensa, associada a uma intensa ostentação de imagens: eis o que é a poesia destes dois últimos séculos; (...) Nossa convicção secreta é a de que a intensidade em poesia é garantia de veracidade. A violência das imagens é o seu traço mais precoce e é provavelmente sua palidez na poesia greco-romana que mais terá decepcionado nosso leitor.” (A elegia erótica romana, p.268)

O leitor do século XXI está acostumado a essa violência das imagens, ao erotismo explícito, e não-comedido. Por isso, segundo Veyne, o leitor moderno considera tediosa a leitura das obras clássicas.

Na poesia de Drummond, o amor se realiza na relação a dois. Diferente do conceito de amor para os clássicos, que correspondia à mulher amada. Uma vez que:
Para Dante ou Petrarca, ao contrário, o amor valia, muito classicamente, pelo objeto para o qual tendia, e valia o que valia esse objeto;” (A elegia erótica romana, p.275)
Embora sob aspectos diferentes e apresente contextos históricos e culturais diferentes, o amor é tema em ambos os poemas. O objetivo dos dois poetas é atingido, tanto o poeta mineiro quanto o latino, versam sobre o amor, em sua característica mais sensual.


Referências Bibliográficas:

A Elegia Erótica Romana – VEYNE, Paul

O Amor Natural – ANDRADE, Carlos Drummond de


(André F. R. Borba e Andrea P. de Mello)






4 comentários:

  1. Excelente o tema abordado por vocês. O erotismo presente em ambos poemas tornam as obras cativantes.
    É possível perceber nitidamente que a intensidade predominantemente expressada pelo tema erótico possui a mesma intenção em ambos os textos que é levar o leitor, através da ostentação de imagens, à imaginação dos atos íntimos.
    Porém o objeto valorizado por cada um dos autores é diferente, tanto quanto a forma de materialização do amor intenso, uma vez que Catulo pensa na mulher amada como o principal fundamento para seus desejos e Drummond valoriza o sentimento em si, desejando tornar concreto, através da relação sexual, esse sentimento que por sua vez é abstrato.

    Flávia Pais de Aguiar.

    ResponderExcluir
  2. Andrea e André,
    A análise de vocês foi excelente!

    Ficou nítido que Catulo é mais sutil em sua poesia erótica e que Drummond é mais direto na sua escolha de palavras.
    Aos situar os autores clássicos e modernos, mostra de forma clara o paradoxo estilístico utilizado pelos autores.
    Nas poesias de Catulo, a presença do amor é representado pela mulher amada e em Drummond a estética da intensidade é percebida através da ênfase descritiva do ato sexual.

    Parabéns, o texto ficou ótimo!!!

    Jefferson Fernandes Santos

    ResponderExcluir
  3. É evidente a semelhança entre os poemas, percebe-se claramente a temática sensual e erótica presente nos versos de ambos os poemas. Na poesia de Catulo o tema é abordado sutilmente, ao contrário do poema de Drummond que faz uma abordagem bem explícita do erotismo usando palavras e expressões bem sensuais que remetem à lembrança da relação sexual.

    A abordagem, o desenvolvimento e explicação ficaram bem claras para o entendimento do leitor.

    Ass: Mary Jane Hilário Da Silva

    ResponderExcluir
  4. Achar erotismo em poemas não é difícil, mas a temática pode, e perfeitamente ocorre, ser abordada de várias formas. As obras comparadas foram o perfeito encaixe, sem trocadilhos, na abordagem da temática. Esse eu lírico falando à mulher, descrevendo os atos que deseja com ela praticar.

    Há a diferença das palavras escolhidas, claro, respeitando a distância temporal entre um poema e outro, mas, ambas deixando explícita a intenção libidinosa do eu lírico.

    Vemos claramente a intensidade retratada por Paul Veyne em uma emoção intensa associada à ostentação de imagens. Drummond descrevendo o lamber, chupar, sessenta e nove; Catulo com o nove vezes seguidas, perfurar túnica e manto; tudo com todo apelo erótico que determinadas obras líricas romanas tinham e que a lírica moderna não abandonou.

    Parabéns pela escolha!

    Alexandre Silva

    ResponderExcluir

Agora é com você: