"Mvsa mihi cavsas memora"

domingo, 19 de junho de 2011

  
Trabalho: Poesia Antiga Clássica e Contemporânea



Versos Íntimos
Augusto dos Anjos

Vês! Ninguém assistiu ao formidável
Enterro de tua última quimera.
Somente a Ingratidão - esta pantera -
Foi tua companheira inseparável!
Acostuma-te à lama que te espera!
O Homem, que, nesta terra miserável,
Mora, entre feras, sente inevitável
Necessidade de também ser fera.
Toma um fósforo. Acende teu cigarro!
O beijo, amigo, é a véspera do escarro,
A mão que afaga é a mesma que apedreja.
Se a alguém causa inda pena a tua chaga,
Apedreja essa mão vil que te afaga,
Escarra nessa boca que te beija!


Caio Valério Catulo

8

Meu pobre Catulo, põe um termo neste delirar
e considera perdido o que vês que se perdeu.
Em tempos passados sóis luminosos brilharam
quando tu, constantemente, corrias
para onde te chamava a jovem por nós tão amada
quanto nenhuma outra jamais será amada.
Nestes encontros então aconteciam aqueles
inumeráveis momentos de prazer: o que tu querias
a jovem também não o deixava de querer.
Sóis luminosos realmente brilharam para ti.
Hoje, porém, ela não quer mais.
Também tu, incapaz de te conteres, não queiras mais,
não persigas aquela que te foge, não vivas infeliz,
mas conserva inflexível teu espírito, resiste.
Adeus, minha jovem amiga, Catulo já resiste,
não mais irá te procurar, não mais te convidará
a um encontro, se não o desejares.
Mas tu chorarás quando não mais fores solicitada.
Ai de ti, infeliz. Que vida te está reservada?
Que homem irá ter contigo?
A quem parecerás bela? Agora a quem amarás?
A quem dirão que pertences? A quem beijarás?
De quem morderá os lábios?
Mas tu, Catulo, resiste.
Nos dois poemas temos o amor recalcado como reflexo da ingratidão. Catulo em seu poema, primeiro fala sobre o amor como quem tem que por um termo nesse sentimento, já que esse não fora concretizado ele decide abortar, mas não só o sentimento, a amada também. Em seguida ele faz uma rememoração dos amores como se quisesse tê-los novamente, e logo depois tenta arrefecer todos os sentimentos para com a mulher amada, num querer-não-querer. Vendo impossível a possibilidade de deixar o amor de lado, o poeta decide o ostracismo, pretende se afastar do objeto almejado e do amor não concretizado. Porém esse ser que se pretende inflexível ao mesmo tempo em que age como uma criança indecisa, que por ser contrariada cospe no que queria, vaticina sobre a infelicidade premeditada que ele deposita na mulher.
Augusto dos Anjos é mais feroz em suas ofensas e não possui nenhuma infantilidade, mas um azedume que se fixa na quebra da ilusão enquanto os cacos tangem como lâminas a quimera do poeta, porém este, impassível, segue por um viés à luz dos lampiões da Ingratidão. Como o poeta clássico Catulo, Dos Anjos trabalha em seu poema com a Ingratidão – esta pantera. Não sendo passivo como Catulo, renegando as ilusões, Dos Anjos propõe que os seres por terem contato com as feras um dia se tornarão feras, e que o homem nunca deve se deixar afagar pelas mãos da pena e da humilhação.
Os dois autores tratam da Ingratidão como o cerne da questão. Catulo, de forma infantil e às vezes fraca, Dos Anjos como um furacão de horrores vai proferindo palavras de consolo mórbido e brutal. E os dois autores possuem uma autocomiseração, cada um à sua maneira.
Ex: Toma um fósforo. Acende teu cigarro!
O beijo, amigo, é a véspera do escarro,
A mão que afaga é a mesma que apedreja. (Augusto dos Anjos)
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Ex: Meu pobre Catulo, põe um termo neste delirar
e considera perdido o que vês que se perdeu. (Caio Valério Catulo)


Por fim, a estética da intensidade fica clara na poesia de Dos Anjos. Com o advento do Romantismo no século XIX a subjetividade fica na ordem do dia e a poesia ganha uma face completamente nova que se incrusta no “Eu Lírico” dos poetas. Essa emoção intensa é diretamente relacionada com uma busca por correspondências com a natureza, às vezes o poeta ao percorrer por entre essa floresta imagética culmina em uma intensidade tamanha que chega a se fundir, ou até mesmo se perder, nessas imagens. “Não são mais palavras que se escuta, mas emoções que se sente.” (Paul Veyne, A Elegia Erótica Romana, p 270). Segundo Veyne, a estética da intensidade é acompanhada por uma pragmática da sinceridade e dessas duas seria oriunda o conceito de talento enquanto originalidade que está em voga e que nós apreciamos tanto hoje em dia. O amor passa a ser apreciado, não mais pelo objeto ou pela reação ao sujeito que o experimenta, mas sim por si mesmo, como nos diz Veyne. E a intensidade veste-se com as indumentárias desse novo alfaiate, a subjetividade do “Eu Lírico”.


 

                                           
                                        (Luiz Jorge Soares Guimarães)

8 comentários:

  1. Acredito que a principal diferença entre Versos íntimos e o poema de Catulo é a intensidade no jogo das palavras. Por isso talvez o poema de Augusto dos Anjos possa parecer mais autêntico. O poema de Catulo parece ser mais direto a ingratidão da mulher amada, já o de Augusto dos Anjos parece se referir a condição humana(ingratidão), que não se separa do homem.O que é totalmente visível é a diferença da estética da intensidade que se dá muito mais no poema de Augusto dos Anjos do que no poema de Catulo. Camila Boroni

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  2. Em minha opinião, o poema de Augusto dos Anjos expressa um recalque provindo do eu - lírico, onde este por não ter seu objeto de desejo, roga pragas para aquela que um dia ele amou, a despreza. Mas ao mesmo tempo em que ele tem esse sentimento de vingança, ele a compara com a sociedade em geral, onde diz que as pessoas são falsas, hipócritas, que aquele amigo que fala bem de você ao mesmo tempo fala mal pelas costas, e que o mundo por si só é ingrato. E Catulo trata a amada com desapego, por não conseguir esquecê-la, e por querer estar com ela, ele se força a se afastar, porque esta não o quer mais. Ele relembra os bons momentos com tristeza, com saudades, esperando que eles voltem, mas ao saber que não acontecerá (porque a amada não o quer), ele a repulsa.

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  3. Percebo no poema de Augusto dos Anjos, em perfeita concordância com a estética da modernidade, que é a intensidade das imagens e quadros evocados, uma verdadeira fúria de elementos comparativos e argumentativos. Aliás, Augusto dos Anjos foi um poeta original na poesia brasileira, ao encaixar termos científicos e biológicos em seus poemas.

    Observamos aqui versos furiosos e chocantes no poema de Augusto:


    O Homem, que, nesta terra miserável,
    Mora, entre feras, sente inevitável
    Necessidade de também ser fera....



    ...Se a alguém causa inda pena a tua chaga,
    Apedreja essa mão vil que te afaga,
    Escarra nessa boca que te beija!




    Augusto utiliza a intensidade do ódio e do desejo de vingança para enfatizar como deve ser a atitude do personagem sofrido a quem o eu-lírico se dirige(Seria o mesmo indivíduo, como no poema de Catulo? O eu-lírico do poema de Augusto poderia estar também falando com si mesmo? A incerteza e a ambiguidade igualmente são características da poesia moderna).Ao invés da intensidade da paixão, nota-se aqui, de forma original e violenta, a exaltação e o foco na fúria e na vingança.

    Catulo, perfeitamente de acordo com a mentalidade de sua época, que considerava o sofrimento causado pela paixão descontrolada uma fraqueza do homem, insiste na resistência que o eu-lírico precisa empreender para superar essa paixão não-correspondida.

    Portanto, vejo perfeitamente clara a distinção entre as duas diferentes abordagens de tratar o tema em questão.

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  4. No poema de Catulo percebemos um eu-lírico amargurado pela perda da mulher amada, ele a despreza, mas com isso só intensifica a ideia de racalque,pois se não a amasse, não teria porque pensar nela. Ele sofre por querer e não poder tê-la em seus braços,restantando apenas as recordações. O poema de Augusto dos anjos trata da decepção em relação a humanidade,não é um poema de amor, ele mostra a perda da fé no ser humano devido a ingratidão das pessoas.
    Cristiane de Santana Silva

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  5. Comentem MAIS++++++
    Valeu
    Luiz

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  6. Percebo no poema de Augusto dos Anjos, em perfeita concordância com a estética da modernidade, que é a intensidade das imagens e quadros evocados, uma verdadeira fúria de elementos comparativos e argumentativos. Aliás, Augusto dos Anjos foi um poeta original na poesia brasileira, ao encaixar termos científicos e biológicos em seus poemas.

    Observamos aqui versos furiosos e chocantes no poema de Augusto:


    O Homem, que, nesta terra miserável,
    Mora, entre feras, sente inevitável
    Necessidade de também ser fera....



    ...Se a alguém causa inda pena a tua chaga,
    Apedreja essa mão vil que te afaga,
    Escarra nessa boca que te beija!




    Augusto utiliza a intensidade do ódio e do desejo de vingança para enfatizar como deve ser a atitude do personagem sofrido a quem o eu-lírico se dirige(Seria o mesmo indivíduo, como no poema de Catulo? O eu-lírico do poema de Augusto poderia estar também falando com si mesmo? A incerteza e a ambiguidade igualmente são características da poesia moderna).Ao invés da intensidade da paixão, nota-se aqui, de forma original e violenta, a exaltação e o foco na fúria e na vingança.

    Catulo, perfeitamente de acordo com a mentalidade de sua época, que considerava o sofrimento causado pela paixão descontrolada uma fraqueza do homem, insiste na resistência que o eu-lírico precisa empreender para superar essa paixão não-correspondida.

    Portanto, vejo perfeitamente clara a distinção entre as duas diferentes abordagens de tratar o tema em questão.

    ABRAHAO DAVID ALCANTARA PUSTAUE

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  7. No poema de Augusto dos Anjos é perceptível que a intensidade dá uma ideia de um poema mais maduro, mas a forma agressiva com que o eu lírico profere suas palavras quebra essa maturidade, mas dá verdade e sentimento ao poema. No poema de Catulo ao contrário de Dos Anjos, a imaturidade não está subjetiva, está explícita, mas de uma forma mais pirracenta, além disso, Catulo é menos convincente em suas palavras, podendo dar a impressão de que na verdade o eu lírico é indiferente à desilusão, e que seu poema não passa de uma tentativa de atingir a mulher que rejeita seus sentimentos.

    Fernanda Cerqueira de Mello.

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  8. explícita, mas de uma forma mais pirracenta, além disso, Catulo é menos convincente em suas palavras, podendo dar a impressão de que na verdade o eu lírico é indiferente à desilusão, e que seu poema não passa de uma tentativa de atingir a mulher que rejeita seus sentimentos.

    Fernanda Cerqueira de Mello.

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