"Mvsa mihi cavsas memora"

quarta-feira, 29 de junho de 2011


Vivemos, minha Lésbia, amemos sempre,
E os rumores dos velhos rabugentos
Saibamos desprezar, tê-los em nada.
O sol pode morrer, tornar de novo;
Nós, se uma vez a breve luz nos morre,
Uma e perpétua noite dormiremos.
Oh! mil beijos me dá, depois um cento,
E mil outros depois, mais outro cento,
E outros mil, e outros cem; e quando ao cabo
Muitos milhares ajuntarmos deles,
Em maga confusão juntá-los-emos.
Que não saibamos nós, que ninguém saiba
Nem maldoso nenhum possa invejar-nos
Se de tantos souber, tão doces beijos.
Caio Valério Catulo


Soneto do Amor Total

Amo-te tanto, meu amor ... não cante
O humano coração com mais verdade ...
Amo-te como amigo e como amante
Numa sempre diversa realidade.

Amo-te afim, de um calmo amor prestante
E te amo além, presente na saudade.
Amo-te, enfim, com grande liberdade
Dentro da eternidade e a cada instante.

Amo-te como um bicho, simplesmente
De um amor sem mistério e sem virtude
Com um desejo maciço e permanente.

E de te amar assim, muito e amiúde
É que um dia em teu corpo de repente
Hei de morrer de amar mais do que pude.

Vinícius de Moraes

Não há semelhanças no formato ou no vocabulário, mas podemos afirmar que tanto o poema de Catulo quanto o soneto de Vinícius de Moraes levam o leitor a imaginar um amor intenso, no qual não há limites para a idealização ou a demonstração desse sentimento. Catulo demonstra seu amor querendo beijar a mulher que ama por mil vezes, depois mais centenas e milhares de vezes novamente. O sujeito poético de Vinícius de Moraes ama com “desejo maciço e permanente”, “muito e amiúde”, e mostra-se capaz até mesmo de morrer por isso – certamente o exagero máximo que se pode pedir de um “amante.”
Para o historiador francês Paul Veyne, a intensidade não é uma qualidade que necessariamente colabora para tornar um texto mais real. No entanto, o exagero desperta empatia, um ponto de “comunicação” entre o autor e seu leitor. A poesia lírica amorosa é popular desde as eras mais antigas e assim permanece porque trata de um tema que é caro a qualquer pessoa, independente do sexo, da idade, da classe social ou da ideologia. Todos já tivemos, com graus maiores ou menores de exagero, uma experiência amorosa – ou várias.
Veyne, em seu livro A elegia erótica romana, fala sobre a estética da paixão. De acordo com ele, a paixão, para os modernos, é uma experiência intensa, que vale por si mesma, que não necessita de explicação ou que se justifica pelo objeto (“o amado”/”a amada”) ao qual se dirige. Em seguida, o autor afirma que, para os antigos, a situação era oposta, ou seja, o amor valia pelo objeto a quem se dirigia. Vejamos:
Para Dante ou Petrarca (autores italianos do século XV), o amor valia (…) o que valia esse objeto, a paixão na sua opinião era tão pouco uma experiência que permanecia platônica, como que para não dispersar a fascinação exercida pelo próprio objeto.
Diante dessas palavras, seria possível concluir que, para Veyne, a poesia de Vinícius de Moraes – ou de um poeta moderno – é mais “sincera” que a de Catulo. A ideia de amor dos contemporâneos não se restringe a um homem que sente e a mulher que é o objeto de seu afeto, mas incorpora o ato do sentir, viver uma paixão. As palavras de Vinícius de Moraes certamente já foram usadas por milhares de pessoas, mesmo por aquelas que nunca tiveram contato com a vasta obra do escritor, que viram nesse soneto uma maneira de demonstrar seus sentimentos por uma outra.
Contudo, como dito antes, não importa que o amor seja visto de maneira menos ou mais intensa, platônica ou viva, mostrada em alto e bom som, ou com todas as palavras possíveis. O tema exerce total encanto sobre qualquer tipo de leitor. Todos podemos concordar, em maior ou menor grau, com o desejo de Catulo de que seu amor cause inveja nos outros, ou com Vinícius, que ama das mais diversas formas, ao ponto de pensar que pode até sucumbir diante do sentimento.

Fontes:


Soneto do Amor Total, de Vinícius de Moraes: http://www.viniciusdemoraes.com.br/site/article.php3?id_article=313 (site oficial do escritor e compositor.)

                                                 (Sarah Oliveira)

2 comentários:

  1. No poema de Catulo, o eu-lírico priva o amor por sua amada, amantes apaixonados. O eu-lírico despreza os comentários maldosos a respeito dele e sua amada, e diz que não se importa se falam mal deles ou não, que ele nunca vai se cansar de seus milhares de beijos, que a terá todo novo dia, mas se um dia, esse dia não chegar que eles durmam o sono eterno, morram juntos, seguros do amor de um por outro. E diz que se ninguém ficar sabendo que eles estão juntos, não terão como invejá-los, uma vez que não se pode invejar o que não existe.

    No poema de Vinicius de Moraes, o eu-lirico é obcecado por sua amada, e ele que é seu amante, e nao se importa de ser, desde que tenha ela sempre com ele. Que além de amantes, eles são amigos, e que os outros não precisam saber disso, que ele vive bem em uma realidade diferente da amada. E ele expressa esse amor em vários exemplos, dizendo que ama como amante (no sentido sexual), que ama mesmo quando nao está com ela, que ama quando está com ela e que ama mesmo ela sendo de outro homem, ou seja, que a ama o tempo todo. E confessa que por muito amá-la sucumbirá a esse amor e perecerá.


    Ambos os poetas tratam de amor ao excesso, porém Catulo é mais prático, mais relaxado, aceita o fato e é feliz com isso, enquanto isso Vinicius é mais apaixonado, ele pesa esse amor na balança, sabe os prós e contra, mas nao desiste mesmo assim, mesmo sabendo que ele é só o amante, ele sofre, mas o amor é maior do que qualquer outro sentimento. Podemos dizer então que o poema de Vinicius de Moraes é mais espontâneo, mais verdadeiro, mais intenso e que as imagens utilizadas dão mais veracidade ao fato, enquanto o poema de Catulo soa mais falso, de acordo Paul Veyne os poetas latinos eram menos intensos, uma vez que eles não viviam de fato as experiências narradas em seus poemas. Podemos então ver que existem semelhanças entre os poetas após séculos de lírica, e que a estética da intensidade é presente em ambos os poemas.


    Sherazade Madeira

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  2. Escolhi comentar estes textos pelo afinidade que tenho com Vinícius,e por não ser o batidíssimo "Soneto de Fidelidade".
    Creio que a escolha foi muito acertada. Uma bela comparação de "intesidades".

    O eu-lírico na primeira poesia parece viver um problema com os "rumores",que não podemos saber bem de qual cunho,porém quer deixar claro que isso não deve abalar a relação que existe,pelo contrário deve somente intensificar.

    O eu - poético no Soneto de Vinicius de Moraes parece viver no mundo onde só existe o casal assinalado nos versos. E assim,deverá ser por toda eternidade.

    Portanto,de acordo com a própria análise da temática das poesias. Podemos estabelecer um parãmentro com Paul Veyne,pois segundo o francês as poesias antigas são mais amarradas,assim como o eu-lírico aborda o que os outros dizem, neste período havia uma grande preocupação com a forma. No entanto, o modernismo dá mais valor à intensidade, por isto o eu-poético no Soneto do Amor Total,não está ligando para o que se passa ao redor dele,seu único pensamento é o amor exacerbado,exagerado e a intensa busca pela felicidade,ao lado da pessoa amada.




    Igor Guimarães

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